sábado, 30 de maio de 2009

Pugilato.

Às vezes caminhavam juntos na praia, em manhãs radiosas, iluminadas pelo sol de outono, apenas um ou outro grupo de pescadores voltando do mar. O lugar era deslumbrante. Fora da temporada, livre das hordas de turistas que alavancam os ilhéus e garantem o ano, deixando também pilhas de lixo próprias de incultos. Sobravam uns poucos moradores, o vazio do lugar garantia a paz, ouviam-se apenas marulhos e o gorjear de gaivotas nos vôos rasantes em busca de comida.
Eram amigos de adolescência, a vida os afastara, tomaram seus rumos e, ao acaso se reencontraram na cidade grande que os educara. Um deles imigrara com os pais em tempos remotos, fugidos das agruras do pós-guerra, na busca por novos rumos em outras paragens. Dividiam despesas comuns, conviviam um exílio voluntário na ilha, a paz buscada depois de sucessos e fracassos nos negócios e na vida. Maduros, lembravam embevecidos de tempos outros, divertiam-se, filosofavam devaneios vários, faziam-se quase irmãos.
Conheceram-se a caminho do colégio, ainda meninos, o nativo a mostrar ao outro os jeitos e trejeitos dos da nova terra. Brincaram muito, fizeram as artes todas de adolescentes, construíram uma amizade sólida, dessas perenes que se fazem quando quase crianças, assim, sem frescuras outras, naquela cumplicidade gratuita dos que são muito jovens. Tomaram seus rumos em um momento qualquer que o amadurecer exige.
O reencontro foi simples e mágico. Estavam os dois de novo solteiros, depois de sucessos e tropeços todos, desses bem comuns no decorrer da vida. Retomaram o caminhar, cinquentões, dividiam contas, bebericavam juntos, jogavam conversa fora, filosofavam muito. Coisas de adolescentes-envelhescentes, este estágio da vida em que nos achamos resolvidos, mente aberta, idéias claras, alguma sabedoria. Um sabático ano, uma espera pelo acontecer.
E veio o caos. A conversa começara amena, um preparando o jantar, o outro um ou outro drink. E as agruras todas afloraram. Dessas de divã, um acumular de mágoas vida afora e, perceberam-se distantes, viram afinal que a vida os moldara diferentes, a pureza da juventude se esvaíra. Resolveram as diferenças no tapa, como meninos que ainda são. Um pugilato divertido, desses que os analistas abominam. Saíram quase curados, a amizade um tanto estremecida.
Seguem seus rumos, tocam a vida. Cada um em seu lugar. Sabem sim que a amizade é perene. Sabem também dos perigos de viver no mesmo teto.



Um comentário:

luzia disse...

Enquanto lia seu texto viajei por alguns momentos de minha vida. Por fim, fico com aquela sensação de paz que seus textos me trazem. Gostoso!