sábado, 1 de março de 2008

Fotografia

“Para que me tenhas”
Acordara bem disposto, a manhã era luminosa. Um giro solitário para rever o passado, a reflexão sobre fatos recentes. A rápida agonia do pai, meses antes, o deixara perplexo. Precisou redescobrir os que o cercavam, entendê-los nas suas entranhas, refletir sobre disputas passadas, ciúmes, falares, tudo isso.
O acaso o levara ali. Um antigo convento, em meio a uma paisagem deslumbrante, a música sacra presente. As oliveiras tomando o horizonte, permeado de sobreiros, o pôr-do-sol, uma escandalosa profusão de matizes, tinham-no deixado em paz, a mente se aquietara. Uma paz procurada, a primeira em anos. O rancor acumulado havia se dissipado por completo. Compreendia erros e acertos.
Uma arquitetura histórica, seiscentista. Antigas celas reformadas guardavam o ambiente secular, sinal de respeito, redesenhadas com bom gosto. A capela interna o levara aos tempos de aluno de jesuítas, ainda adolescente. Sentia-se recluso. E liberto. Dos lugares onde estivera, este era o de uma paz imensa. Em um Portugal de antepassados, por ele pouco visto. Andara meio sem rumo, nenhum roteiro fixo. Aportara ali. Pensara brevemente em rever parentes, amigos do pai morto, sem qualquer entusiasmo. Homenagem justa, tal um andar junto de outros tempos, reviver fatos, avivar a relação outrora conturbada. Sentia-o presente.
Circulou despudorado pela região, descobriu cantos e encantos, misto de prazer e pensar. Provou sabores quase divinos, escutou atento o dizer das gentes do lugar, embevecido com a especial franqueza, remetiam-no a avó. Estava só. Compreendia o sentido do viver, já tinha andado por outros lugares, levara suas saudades todas, seus amores junto. O jogo de armar, a espiada nas suas partes, o ver suas entranhas.
Foi em Évora, em frente ao templo de Diana. Chegou despercebida, não a reparou. Fotografava como um turista qualquer. Memórias para viajar outra vez, lembrar sensações, uma certeza cartesiana de ter estado ali. Como fazem todos. A conversa fluiu. Um falar gostoso da menina estudante, a curiosidade juvenil de muitos encantos. De repente, a pergunta insólita. Tiras uma foto minha? Um porque de espanto, não mais a veria. Uma resposta sábia: “Para que me tenhas”. Fotografara a si.